terça-feira, 28 de outubro de 2008

Aleatórias4

Gire a caneta BIC entre os dedos. Como se fosse uma baqueta, passe do dedo mindinho para o médio, logo em seguida ao anelar, indicador e enfim termine segurando-a com o polegar. É bom para distrair. Pelo menos é o que Manoel fazia enquanto encarava o poster de uma banda norte-americana, colada atrás da porta do quarto.
O computador ligado, parecia desligado e inútil no momento. A imagem do plano de fundo insistia em ficar por tras de uma página da web, mas nem o teclado era tocado.
A caneta enfim pulara da mão do meinino e caira no chão. Manoel ficou observando-a por alguns instantes, até finalmente desistir. Imagine, se estava tediante para mim, que olhava a cena de um bom ângulo, imagine para o menino, que acomodava-se desageitado em cima de uma cadeira giratória!
Então, súbitamente sua mão direita foi até o mouse e a seta no computador começou a dançar inutil e irritantemente. Mas foi por apenas um momento, afinal, ele resolveu parar de gastar luz elétrica e enfim desligou o aparelho.
Girou 180° com a cadeira e levantou-se em um salto. Os livros desarrumados na pratelheira esbranquiçada o convidava a apanhar um deles e mergulhar no mundo da literatura, mas não, aquele momento não era próprio para um boa leitura.
Foi quando Manoel olhou esguio para a escrivaninha, e lá estava, o objeto retangular acompanhado de um fio que se dividia em dois, dando lugar a um par de fones: o iPod. Acho que ele se esqueceu que ganhara um desses de aniversário, e finalmente, o tédio passou quando nas duas orelhas um som alto de mais fazia o quarto do menino ficar mais agitado.

sábado, 4 de outubro de 2008

Mente Insana

A paisagem era repleta de cores. O azul marinho do oceano culminava com um céu vazio e claro e árvores muito verdes balançavam docemente com o leve soprar do vento enquanto pássaros amarelados brilhavam com a luz do sol alaranjado. Seria uma bela imagem se, para mim, tudo aquilo não fosse preto e branco.

Minha história começa com meus cinco anos de idade, o primeiro dia de aula. Em toda a criança, é claro, ainda havia um vínculo em fazer amizade com pessoas que nunca vira na vida e imagino que é preferível o esforço para tentar falar com os colegas a ficar sozinho e isolado em um mundo infantil. Geralmente, as pessoas preferem a primeira opção, e é claro que se eu pudesse, optaria por essa, mas infelizmente não pude fazer uma escolha.

As crianças estavam muito agitadas, correndo de um lado ao outro na inútil tentativa de pegar o amigo mais rápido. Sempre achei uma estupidez correr sem motivo atrás das pessoas, mas aceitaria, sem rodeios, entrar na brincadeira se alguém me convidasse.

A minha diversão naquele primeiro recreio era observar silenciosamente a diversão. Sentado em um banco afastado de todos, eu analisava os meus colegas de turma sorrirem e gritarem enquanto corriam. A única coisa que fazia, era balançar meus pés pendularmente, sentindo os cadarços do tênis roçarem o chão, enquanto os dedos da minha mão se mexiam involuntários e irritantemente na ilusão de deixar aquele “recreio” menos monótono.

As pessoas me rejeitaram. No meu primeiro dia de aula.

A imagem colorida reentrou em foco. Quase esqueci que estava sentado em um penhasco. Não havia ninguém por perto, mas isso não era novidade. Acostumei-me com a solidão há muito tempo. Inventava minhas próprias brincadeiras, inventei um mundo só meu. Aprendi a me divertir comigo mesmo.

Os anos se passaram desde o primeiro dia de aula. Me encontrava na sétima série, com treze anos repletos de momentos que desejava esquecer. “O estranho Pedro ainda não parou de falar sozinho” cochichavam os adolescentes, sem se importarem se Pedro ouvia ou não os comentários. Eu poderia matar todos eles. Uma chacina em plena luz do dia, um episódio que mancharia a reputação da escola, inclusive da cidade. Mas não, não levaria a nada tirar a vida daqueles robôs controlados pela moda, máquinas movidas pela alienação.

Ninguém também sentiria falta do “esquisito Pedro” se ele acidentalmente escorregasse do Penhasco do Olho Cego, o incrível ponto de encontro dos casais apaixonados. Eu, inclusive, nunca tive o prazer de penetrar em uma daquelas vadias da escola no famoso lugar público da cidade. Era estranho que ninguém estivesse lá.

Talvez as pessoas estivessem se escondendo atrás das árvores, observando os últimos minutos de vida do “menino-que-não-sabia-de-nada”.

(Créditos para Lara!)

Particularidades de Uma Vida Literária

A biblioteca descansava silenciosa na esquina agitada de uma cidade sul-americana. Seu exterior, já desfigurado devido ao tempo, colocava a mostra algumas marcas do vandalismo urbano, e parecia querer convidar a população a dar uma olhada nos seus milhares de livros centenários. As janelas de vidro fosco estavam bem cuidadas, inclusive pareciam ter sido trocadas recentemente. Algumas delas mostravam figuras embaraçadas de prateleiras antigas e monótonas, que tinham um gosto único e peculiar pela literatura. Uma bela rampa em forma de V levava os visitantes ao portão de entrada, que nos convidava a dar uma espiada nos três andares repletos de cultura.

Seu interior era tão desfragmentado, fisicamente, quanto seu exterior, mas algo muito bem conservado parecia estar guardado em cada livro de cada estante daquela enorme construção. Eles estavam à esquerda, à direita, em frente, à cima. Vários tipos de salas estavam espalhados pelo cômodo, e por mais que a aparência de todas ali fosse muito parecida, elas eram diferentes nos detalhes mais mínimos e necessários possíveis. Colunas de níquel avermelhadas margeavam e dividiam cada prateleira de seu assunto. Uma escada metálica nos conduzia a um andar dedicado à leitura e ao silêncio, quebrado apenas pelo folhear de páginas e pelo ranger de passos no piso revestido em madeira.